- Arthur Alexander
- há 7 dias
- 2 min de leitura
Disseram-me que a Ferrari é o ápice do desejo automobilístico. Discordo: ela é apenas o fantasma necessário para que você compre uma moto."
I. A Ferrari como significante mestre
No universo simbólico, toda organização de desejo demanda um ponto de fixação: o Significante Mestre. Para Lacan, este significante não diz nada, mas estrutura tudo. A Ferrari, neste caso, não é um carro — é um fetiche absoluto. Ela ocupa o lugar de um objeto que ninguém possui, nem mesmo quem a dirige. Afinal, o verdadeiro dono de uma Ferrari nunca a possui de fato: ele apenas se tornou servo de seu brilho.
A Ferrari não é comprada. Ela compra o sujeito. Ela o captura em seu gozo escópico, em seu brilho fálico.
II. O Objeto a e o gozo inacessível
Na linguagem lacaniana, o objeto a é aquilo que causa o desejo — mas que jamais se possui. É o que falta. A Ferrari, em sua função estrutural, não é para ser dirigida, mas para ser sonhada. Sua existência se justifica na medida em que sustenta o desejo.
Mas qual desejo?
Não o desejo da Ferrari, mas o desejo que nasce ao redor dela: o desejo da moto, do tênis de corrida, do celular com “desempenho Ferrari”. O mundo é povoado por “substitutos simbólicos” que orbitam esse sol de desejo.
A Ferrari não é um fim. Ela é o começo da cadeia metonímica do desejo: é porque existe a Ferrari que você compra uma moto. A Ferrari é o buraco negro onde o desejo implode e, em seguida, escorre para os produtos do cotidiano.
III. O fetiche e a alienação do gozo
A moto que você compra não é só um veículo. Ela é um suplemento fantasmático. Como diria Baudrillard, não compramos objetos — compramos simulacros de gozo.
A Ferrari, nesse sentido, aliena o sujeito duplamente: primeiro, porque ele acredita que deseja a Ferrari; segundo, porque ele desloca esse desejo para algo que está ao seu alcance. A moto se torna um paliativo, um sintoma. Ela goza no lugar do sujeito — mas de maneira menor, mais triste, mais aceitável socialmente.
E o sujeito, nesse processo, permanece sem saber o que deseja. Porque o desejo não tem objeto, só causa. E o objeto-causa de desejo — a Ferrari — é inalcançável por definição.
IV. Como sintoma
A frase “A Ferrari existe pra vender motos” é, portanto, uma sentença lacaniana. É um wittgensteiniano aforismo de gozo, onde o sistema mercadológico revela seu inconsciente: não queremos o que queremos; queremos o que o outro quer — e só porque sabemos que nunca poderemos tê-lo.
A Ferrari existe para alimentar o mercado de substitutos. Ela é um nome-do-pai do consumo, organizando o simbólico do capital. Não é preciso que você a compre. Basta que você não a tenha.