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Os ausentes assombram o texto

  • Foto do escritor: Arthur Alexander
    Arthur Alexander
  • 24 de ago.
  • 3 min de leitura

O vazio que fala


Todo texto é povoado não apenas pelo que se escreve, mas também pelo que se cala. Há sempre uma segunda camada, invisível, feita de silêncios, escolhas descartadas, caminhos que não chegaram à página. O leitor atento percebe que as palavras carregam consigo a sombra daquilo que não foi dito.

Escrever, afinal, é decidir. Ao escolher um termo, abandona-se outro; ao seguir uma ideia, deixa-se muitas para trás. Mas o abandono nunca é absoluto: o que foi deixado de fora permanece rondando, insinuando-se nos intervalos, emergindo como ausência presente.

O fantasma aqui não é sobrenatural. É a marca do não-dito que insiste, do resto que retorna, daquilo que o autor acreditou eliminar, mas que encontra modos de reaparecer — nos silêncios, nas ambiguidades, nos gestos da linguagem. O que se escreve traz consigo aquilo que não se escreve.


A presença do não-dito


Escrever é um ato de seleção. Cada frase carrega em si uma multidão de palavras que foram recusadas. Cada parágrafo repousa sobre um mar de possibilidades abandonadas. Ao lermos um texto, não acessamos apenas o que foi dito, mas também sentimos os contornos daquilo que foi deixado de fora.

O não-dito não é vazio: é presença silenciosa. Quando um narrador descreve uma situação, o que ele não descreve também pesa sobre nós. Quando se argumenta em favor de uma ideia, as alternativas omitidas sussurram no fundo da leitura. O silêncio, nesse sentido, não é ausência, mas linguagem em estado latente.

É assim que um texto se abre para algo maior do que suas próprias linhas. O não-escrito cria tensão, provoca curiosidade, desperta a imaginação do leitor. O que não aparece se torna força, insistindo em habitar os intervalos entre as palavras.


Os fantasmas da linguagem


O que é ocultado em um texto não desaparece; resiste. Cada escolha do autor — cada palavra, cada frase, cada omissão — deixa rastros que persistem como pressões silenciosas sobre o sentido. O não-dito não se limita a permanecer no fundo: ele retorna, manifesta-se em ambiguidades, polissemias e nas tensões que escapam ao controle consciente.

Essa resistência não é um erro, mas uma característica estrutural da linguagem. Todo texto é atravessado pelo que tentou excluir, e é justamente essa presença latente que cria múltiplas camadas de interpretação. Escrever, portanto, não é apenas exprimir: é dialogar com aquilo que insiste em permanecer oculto, permitindo que o texto seja maior do que a intenção inicial do autor.


Conclusão: escrever com os fantasmas


Escrever é sempre um ato de convivência com ausentes. O que não é dito retorna de formas inesperadas: uma ambiguidade em uma frase, uma lacuna que provoca o leitor, um efeito de sentido que escapa ao controle do autor. Esse diálogo com o oculto é o que dá profundidade e complexidade ao texto.

O ser humano tende a lutar para eliminar o que o incomoda, para fazer prevalecer sua ideia, sua versão da realidade. No texto, isso se manifesta na tentativa de suprimir dúvidas, alternativas ou críticas. Mas, por mais que se esforce, o que foi excluído resiste. As ideias omitidas retornam como sombras silenciosas, tensionando a escrita e revelando a impossibilidade de um controle total.

Mesmo quando se tenta limitar um discurso — restringindo fontes, censurando ideias ou impondo ignorância deliberada ou não — o esforço é em grande medida frustrado. A linguagem, por sua própria natureza, abre brechas, cria sentidos que escapam ao controle e permite que novas perspectivas surjam. O escritor, ainda que pressionado, acaba dialogando com o que foi silenciado, ressignificando as restrições e transformando omissões em novos caminhos de interpretação.

Em romances, o que o narrador não descreve cria espaço para a imaginação do leitor; em artigos acadêmicos, as ideias não exploradas ou os autores não citados ressoam silenciosamente, moldando interpretações e questionamentos. Mesmo em poesias curtas, a força do que é omitido muitas vezes é mais intensa do que a do que é declarado.

Reconhecer essa resistência é essencial: os fantasmas da linguagem não devem ser temidos nem eliminados isso é impossível  mas  são eles que tornam o texto vivo, aberto a múltiplas leituras, e mostram que  o controle é ilusório. O que está oculto nunca está realmente ausente, e a luta para fazê-lo desaparecer apenas revela a força daquilo que insiste em permanecer.

 
 
 

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© 2025 por Arthur Alexander Abrahão

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