“O desejo entrou. O Outro entrou.”
- Arthur Alexander

- 29 de jun.
- 3 min de leitura
Na clínica psicanalítica, há um ponto decisivo onde algo se desdobra de modo singular: o sujeito deixa de ocupar apenas o lugar do sintoma ou da repetição e torna-se agente de sua própria história. É nesse instante que podemos dizer: “o desejo entrou. O Outro entrou.”
1. O analisando para de ser mero receptor
Vocês percebem como o analisando chega em sessão como quem carrega um registro: atos falhos, lapsos, sintomas — um verdadeiro looping sem fio condutor. Não há pergunta, apenas respostas automáticas ao impulso. Ele fala, mas não escuta: é um receptor mudo do seu próprio discurso.
Até então, o analista escuta registros de angústia, atos falhos, lapsos e sintomas. O analisando parece preso a um circuito automático: não enuncia seu desejo, mas repete gestos e sofrimentos sem interrogá‑los.
2. O desejo entra
Emergência lacaniana: surge aquela interrogação que faz o chão tremer: “o que me move de verdade?”. Não mais um querer-vontade simplista, mas o desejo que se estrutura na falta. É a falta que move, e ao nomeá-la, o sujeito dá forma ao seu desejo.
O desejo não é escolha: é sintoma de uma falta que exige articulação.
Ao dizer “por que insisto nisso?”, ele não pede conselho: ele convoca o real para a arena simbólica.
Emergência da pergunta: O analisando formula algo como “o que realmente me move?” ou “por que insisto nesse padrão?”.
Nomear a falta: Em vez de tentar preencher um vazio, ele se atreve a dar um contorno à própria falta — o que é o cerne do desejo.
Motor da análise: É esse desejo, sempre incompleto e em construção, que sustenta o processo terapêutico.
3. O Outro entra
O grande Outro — não aquele da moral ou da boa conduta, mas o Outro da escuta, da transferência viva!
Transferência como palco: O analisando fala ao analista e não unicamente em si mesmo. Essa relação transferencial oferece um espaço seguro onde emergem sentidos que o sujeito ainda não articulou.
Facilitação de emergências: O analista não impõe interpretações, mas propicia situações em que o analisando pode escutar seu próprio inconsciente — seja por silêncios, olhares, intervenções pontuais ou interpretações que retomam o que foi dito.
Da solidão ao diálogo interno: A experiência deixa de ser um monólogo sem eco. O analisando sente que suas palavras ganham reverberação, abrindo espaço para novas formulações e invenções subjetivas.
4. Transformações na clínica
O sintoma como pista: Em vez de mera anomalia, o sintoma passa a ser um indicativo para o discurso inconsciente — algo a ser explorado, não eliminado de imediato.
Movimento de subjetivação: O analisando se engaja na construção de sua narrativa, diferenciando-se do ciclo repetitivo.
Formas alternativas de satisfação: A palavra, os sonhos, a criação simbólica se tornam vias de gozo que deslocam a urgência compulsiva.
5. Conclusão
No momento em que “o desejo entrou. O Outro entrou.”, a análise revela sua potência: transformar o que era prisão em possibilidade de existência. É aí que o analisando se descobre, não mais refém de um enredo já escrito, mas autor de seu próprio percurso. É neste ponto, que a análise se revela: transformar prisão em invenção. Quando “o desejo entrou. O Outro entrou.”, a clínica deixa de ser técnica e torna-se um verdadeiro espaço de criação subjetiva. O analisando enfim reconhece: não estou condenado ao mesmo discurso, posso articular outro canto.



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