Homem dos miolos frescos
- Arthur Alexander
- 30 de abr.
- 2 min de leitura
Atualizado: há 21 horas
Em “homem dos miolos frescos”, relatado por Ernst Kris em 1951, o paciente se queixava de ter plagiado ideias de outro autor. Kris respondeu com argumentos racionais, provando que não havia plágio. Ainda assim, o paciente “comeu miolos frescos” após a sessão – um acting out que Lacan interpreta como resposta à interpretação excessivamente factual do analista. Para Lacan, o cerne não era o “crime” de roubar ideias, mas a crença do paciente em sua incapacidade de ter ideias próprias – o famoso “rouba nada”. Essa expressão indica que o sujeito se apropria de um vazio (“nada”), não de algo concreto, e que é aí que reside sua angústia.
1. O caso clínico de Ernst Kris
1.1 Descrição original
Em 1951, Ernst Kris publica no Psychoanalytic Quarterly o caso de um paciente obcecado pela ideia de ter plagiado outro autor.
Kris demonstra, por via lógica, que não houve plágio.
Na sessão seguinte, o paciente relata que, após sair, comeu “miolos frescos” num restaurante. 1.2 Interpretação de Kris
Kris lê o ato como um sintoma ligado à angústia de plágio.
Para ele, o comer miolos seria uma expressão direta do conflito entre o desejo de originalidade e o medo de cópia.
2. A crítica de Lacan: “rouba nada”
2.1 Onde aparece
Em “A direção do tratamento e os princípios de seu poder” (Écrits, 1966), Lacan retoma o caso e diz:“Quitemos o ‘não’: é que rouba nada. E isso é o que haveria que ter‑lhe feito entender.”
2.2 Significado de “rouba nada”
Não se trata de defender o paciente contra a acusação de roubo (“não rouba”).
Trata‑se de evidenciar que ele se apropria de um vazio, de uma falta de significação, e não de algo concreto.
O sintoma (comer miolos) indica que a interpretação factual de Kris não tocou na dimensão simbólica do desejo do sujeito.
3. O acting out como resposta analítica
3.1 Definição lacaniana de acting out
Lacan vê o acting out como ato que surge quando o desejo do analisante é silenciado por uma interpretação que não o alcança simbolicamente.
Ele enfatiza a dimensão intersubjetiva: o paciente “come miolos” para comunicar algo não assimilado pela razão do analista
3.2 Como Kris provocou o acting out
Ao focar na “verdade factual” (plágio vs. não‑plágio), Kris negou o “nada” que estruturava o desejo do paciente.
Essa negação funcionou como um apagamento do desejo, levando o paciente a um ato extremo para reinstalar sua questão subjetiva.
4. Implicações clínicas para a psicanálise
4.1 Escuta do vazio
O analista deve atentar não só ao conteúdo manifesto, mas ao vazio que o sintoma aponta.
Em vez de refutar a fantasia (“você não roubou”), é preciso explorar o que falta para o sujeito sentir‑se criador de suas próprias ideias.
4.2 Manejo do acting out
Reconhecer o acting out como mensagem e não mero rompimento de contrato analítico.
Oferecer espaço para que o paciente simbolize seu “nada” – por exemplo, por meio de associações livres – antes de dar interpretações conclusivas.
4.3 Transferência e posição do analista
Evitar a postura de “detentor da verdade” que silencia o sujeito.
Manter a curiosidade sobre o que o sintoma comunica, sem apressar-se a “corrigir” o paciente.
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