top of page

O desejo como antifrágil e o recalque como resistência entrópica do sujeito

  • Foto do escritor: Arthur Alexander
    Arthur Alexander
  • 4 de mai.
  • 4 min de leitura

Vivemos tempos em que tudo é avaliado em termos de resiliência: resistir à dor, suportar o trauma, aguentar o tranco. Mas o que aconteceria se disséssemos que o desejo humano não apenas resiste às crises — ele se alimenta delas?

Inspirado pela noção de “antifrágil” de Nassim Taleb — aquilo que melhora quando exposto ao caos — e pela leitura de Lacan sobre o desejo e o recalque, este ensaio propõe uma chave de leitura para o funcionamento do inconsciente: o desejo é antifrágil; o recalque, uma forma de entropia subjetiva.


O desejo que cresce no vazio

Lacan dizia que “o desejo é o desejo do Outro”. Isso significa que o desejo nasce da falta, daquilo que nos escapa, daquilo que não temos. É exatamente essa ausência que move o sujeito. O desejo nunca se satisfaz porque, por estrutura, está sempre um passo além do objeto que parece prometê-lo. E é justamente aí que ele se fortalece.

Pense em uma paixão amorosa: você deseja alguém. Quanto mais inacessível essa pessoa parece, mais o desejo cresce. Não porque ela valha mais, mas porque o desejo se alimenta da falta. O desejo é como uma fogueira alimentada por vento — a instabilidade não o apaga, a instabilidade o aviva.

Tal como o antifrágil de Taleb, o desejo se beneficia do inesperado. Uma perda, uma crise, uma frustração podem, paradoxalmente, intensificar o desejo, tornar a vida mais vívida, mais simbólica, mais cheia de sentido. Isso não é masoquismo: é a estrutura do sujeito desejante, que se move por hiatos, não por plenitudes.


O recalque como bloqueio entrópico

Em contrapartida, temos o recalque: mecanismo fundamental do inconsciente, responsável por empurrar para fora da consciência aquilo que nos ameaça — desejos, fantasias, lembranças incompatíveis com o que podemos sustentar como identidade.

Mas o recalque tem um custo. Ele age como um sistema que, para manter a ordem interna, precisa congelar a energia do desejo. Como na física, em que a entropia é a tendência à desorganização e ao esgotamento da energia útil, no psiquismo o recalque é uma forma de resistência entrópica: congela o movimento criativo do desejo em sintomas — que, por sua vez, retornam como sofrimento, repetição e inibição.

Tomemos um exemplo clínico comum: alguém que reprime o desejo de mudar de carreira por medo do fracasso. O recalque não elimina o desejo — ele o desloca. Essa pessoa começa a sofrer crises de ansiedade, insônia ou dores físicas. O desejo continua ali, mas emparedado, congelado, transformado em sintoma.


O desejo resiste ao recalque

Por mais que o recalque tente barrar o desejo, este retorna — deslocado, disfarçado, mascarado. Isso ilustra o que Freud chamou de "retorno do recalcado" — retomado por Lacan em sua teoria. O desejo tem uma lógica própria, que insiste e escapa ao controle. Essa insistência do desejo é o que o torna antifrágil: ele se adapta, se reconstrói, se infiltra nos interstícios do discurso do sujeito.

Exemplo: um desejo reprimido na infância pode retornar, décadas depois, como obsessão artística, escolha de profissão ou sonho recorrente.


A escolha do sujeito: entropia ou reinvenção

O ponto crucial é que, diante de uma crise — pessoal, profissional, amorosa — o sujeito está sempre diante de duas vias: recalcar (e produzir entropia) ou elaborar (e fortalecer o desejo).

Um sujeito que atravessa um luto, por exemplo, pode reprimir seu sofrimento, fingir força e, assim, converter o desejo de elaborar a perda em sintomas silenciosos. Ou pode mergulhar na dor, dar palavras à ausência e reinventar o vínculo na linguagem. Nesse segundo caminho, o luto torna-se motor de transformação: o desejo se reinventa, a subjetividade se expande.


A psicanálise como dispositivo antifrágil

Neste dispositivo, o sujeito ocupa um nó borromeano — Real, Simbólico e Imaginário entrelaçados — de modo que a travessia desses registros atua como alavanca antifrágil, pois a reorganização do laço social interno fortalece o desejo.

Detalhadamente, o nó borromeano ilustra como cada registro mantém o outro em tensão: o Real introduz o impacto do imprevisível, o Simbólico estrutura a linguagem e as leis que moldam o sujeito, e o Imaginário abriga as imagens e identificações. Na análise, o recalque se dissolve ao inscrever o Real no Simbólico, permitindo que o Imaginário se recomponha livre de fixações. Esse movimento triplo não apenas supera a entropia psíquica, mas produz novas suturas de sentido, ampliando a potência desejante ao invés de congelá-la.

A clínica psicanalítica não visa curar no sentido médico do termo. Ela propõe outra coisa: abrir espaço para que o sujeito deseje. Mais do que restaurar uma estabilidade anterior, trata-se de produzir um novo ponto de partida — uma nova relação com a falta.

Em vez de apagar o trauma, a análise permite que o sujeito o reinscreva simbolicamente, transformando-o em fonte de potência. Em outras palavras: a análise não suprime o caos — ela o atravessa, para que o desejo possa emergir fortalecido.


Conclusão

O desejo é antifrágil: cresce com a crise, fortalece-se no encontro com a falta e se reinventa a partir do trauma. O recalque é entrópico: congela o movimento do desejo, tentando manter a coesão psíquica à custa da repetição e do sofrimento. A análise é o espaço onde essa entropia pode ser revertida, e o sujeito reencontra a potência de desejar, mesmo sem garantias, mesmo tropeçando no real.

 
 
 

Comments


Commenting on this post isn't available anymore. Contact the site owner for more info.
8380012.jpg
  • Instagram

© 2025 por Arthur Alexander Abrahão

bottom of page