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A Ferrari existe pra vender motos: ensaio psicanalítico sobre o desejo e o objeto em falta

  • Foto do escritor: Arthur Alexander
    Arthur Alexander
  • 8 de jun.
  • 2 min de leitura

Disseram-me que a Ferrari é o ápice do desejo automobilístico. Discordo: ela é apenas o fantasma necessário para que você compre uma moto."


I. A Ferrari como significante mestre

No universo simbólico, toda organização de desejo demanda um ponto de fixação: o Significante Mestre. Para Lacan, este significante não diz nada, mas estrutura tudo. A Ferrari, neste caso, não é um carro — é um fetiche absoluto. Ela ocupa o lugar de um objeto que ninguém possui, nem mesmo quem a dirige. Afinal, o verdadeiro dono de uma Ferrari nunca a possui de fato: ele apenas se tornou servo de seu brilho.

A Ferrari não é comprada. Ela compra o sujeito. Ela o captura em seu gozo escópico, em seu brilho fálico.


II. O Objeto a e o gozo inacessível

Na linguagem lacaniana, o objeto a é aquilo que causa o desejo — mas que jamais se possui. É o que falta. A Ferrari, em sua função estrutural, não é para ser dirigida, mas para ser sonhada. Sua existência se justifica na medida em que sustenta o desejo.

Mas qual desejo?

Não o desejo da Ferrari, mas o desejo que nasce ao redor dela: o desejo da moto, do tênis de corrida, do celular com “desempenho Ferrari”. O mundo é povoado por “substitutos simbólicos” que orbitam esse sol de desejo.

A Ferrari não é um fim. Ela é o começo da cadeia metonímica do desejo: é porque existe a Ferrari que você compra uma moto. A Ferrari é o buraco negro onde o desejo implode e, em seguida, escorre para os produtos do cotidiano.


III. O fetiche e a alienação do gozo

A moto que você compra não é só um veículo. Ela é um suplemento fantasmático. Como diria Baudrillard, não compramos objetos — compramos simulacros de gozo.

A Ferrari, nesse sentido, aliena o sujeito duplamente: primeiro, porque ele acredita que deseja a Ferrari; segundo, porque ele desloca esse desejo para algo que está ao seu alcance. A moto se torna um paliativo, um sintoma. Ela goza no lugar do sujeito — mas de maneira menor, mais triste, mais aceitável socialmente.

E o sujeito, nesse processo, permanece sem saber o que deseja. Porque o desejo não tem objeto, só causa. E o objeto-causa de desejo — a Ferrari — é inalcançável por definição.


IV. Como sintoma

A frase “A Ferrari existe pra vender motos” é, portanto, uma sentença lacaniana. É um wittgensteiniano aforismo de gozo, onde o sistema mercadológico revela seu inconsciente: não queremos o que queremos; queremos o que o outro quer — e só porque sabemos que nunca poderemos tê-lo.

A Ferrari existe para alimentar o mercado de substitutos. Ela é um nome-do-pai do consumo, organizando o simbólico do capital. Não é preciso que você a compre. Basta que você não a tenha.

 
 
 

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© 2025 por Arthur Alexander Abrahão

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